“Pois ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum”… Salmos 23:4
Relutei muito para escrever este texto. Acredito ser um consenso geral entre os missionários o desejo de sempre passar os pontos positivos da missão para seus amigos e familiares. A verdade é que não queremos desanimar quem ainda vem, e tampouco queremos preocupar quem fica. Mas algumas situações que passamos merecem ser contadas; não como expressão de nossa lamentação, mas como testemunho da graça misericordiosa de Cristo. Mas eu, quando estiver com medo, confiarei em Ti” Salmos 56:3
O problema que eu via
Há pouco mais de uma semana eu trabalhava tranquilamente em Kamantian quando me ligaram para avisar que eu teria que assinar alguns papéis de renovação de visto. Como já havia feito isso anteriormente, sabia como funcionava. Eles enviariam o papel por e-mail, eu imprimiria aqui na montanha, assinaria e enviaria de volta escaneado. O problema é que desta vez eu teria que assinar o papel original.
Como toda semana alguns palawanos descem para a cidade afim de fazerem compras no mercado, pedi para que o papel fosse enviado por meio deles. Assim, eu não precisaria descer.
Eu tinha coisas mais importantes para fazer
Durante todo o turno da manhã, o responsável pelos papéis tentou encontrar quem os carregasse, mas sem sucesso. Fui informada, portanto, que teria que descer naquele mesmo dia, à tarde. Para quem não sabe, o trajeto da montanha para cidade é longo, muito escorregadio e cansativo. Evitamos fazer esse percurso ao máximo. Sem escolhas, desci. Era uma segunda-feira. Meus planos eram assinar os papéis na segunda mesmo e partir de volta para a montanha na terça de manhã. Assim, a clínica não precisaria ficar fechada muito tempo, pois eu já tinha pacientes esperando por mim.
Por algum motivo que ainda não sei, não pude assinar assim que desci. Passou-se a segunda-feira. Na terça pela manhã comecei a me sentir enjoada. Pensei que poderia ser o calor ou o ambiente diferente e resolvi ignorar. Saí para assinar os papéis e me preparei para subir. Novamente, no entanto, disseram-me que eu teria que esperar até quarta. Passou-se a terça-feira. Quarta-feira eu já amanheci muito pior, com diarreia e náusea. Não conseguia comer nem beber água, e ia ao banheiro a cada 5 minutos. Informei que não conseguiria subir na quarta, mas ainda pensava que poderia fazê-lo na quinta. Quinta-feira, no entanto, me levaram ao hospital e, de lá, só saí no domingo à noite.
O vale da sombra da morte
Eu estava com 3 tipos de parasitas, do tipo ameba (que caracterizam a amebíase). Meu corpo já demonstrava sinais moderados de desidratação. A gastroenterite me fez perder 5 kg em apenas 2 dias. Era uma situação crítica. Fui internada para que recebesse as medicações por via intravenosa.
Nesse momento, eu, que nunca havia sido internada na vida, comecei a me desesperar grandemente. Não sabia se eu iria melhorar. Parecia que nenhum dos medicamentos fazia efeito, pois eu continuava sentindo a mesma coisa 24h depois do começo do tratamento. Meus familiares diziam para eu pegar o avião de volta para casa, mas débil do jeito que eu estava, nunca conseguiria enfrentar as 36 horas de viagem até o Brasil.
Como não tinha planos de ficar tanto tempo na cidade, eu não tinha mais roupas. O calor, a sujeira, a dor, a visão de outros acamados me faziam perder as esperanças de ir para casa. O médico diariamente repetia meus exames de sangue, e eu via minhas plaquetas e glóbulos brancos diminuírem gradativamente. Com a imunidade tão ruim, tinha medo de contrair outra doença.
Do vale da sombra da morte, eu clamei
Chorando naquele leito de hospital, orei a Deus. Clamei para que Ele se lembrasse de mim. Foi então que este verso me veio à mente. Quando eu tiver medo, confiarei. Comecei a entender, então, que Deus estava comigo desde o princípio. Ele sabia que eu tinha que estar na cidade na terça- feira, pois ficaria doente. Então, direcionou para que eu não conseguisse subir a montanha antes de começar a me sentir mal. Pois Ele sabia que eu precisaria estar perto do hospital. Então eu entendi porque não encontraram ninguém para carregar uma simples folha de papel. Era a mão dEle conduzindo a minha vida em cada detalhe.
Ele faz tudo cooperar
Hoje já não sinto mais nada, terminei os medicamentos e recuperei um pouco do peso que perdi. Mas confesso que a experiência ficará para sempre marcada na minha mente. Agradeço a Deus por nunca se esquecer de mim, por estar comigo na montanha cheia de vida e no vale da sombra da morte.
Realmente, amigos, as histórias do campo nem sempre são felizes, mas sempre é possível notar a presença do nosso Deus, que nos guia com braço forte e mão poderosa. Portanto, quando estiver no vale, confie.
Mariana de Castro é missionária de curto prazo no Projeto Palawan desde março de 2024.