A fé que transcende fronteiras e costumes não transforma o Evangelho em uma invasão cultural.
Durante séculos, a missão ocidental confundiu evangelização com ocidentalização ou colonização. Tambores foram trocados por órgãos, tecidos coloridos por ternos, como se o evangelho tivesse uma cultura oficial. Mas o Evangelho não é uma invasão cultural.
Muitos missionários, bem-intencionados, levaram não apenas a Bíblia, mas também ritmos, vestes e calendários europeus, acreditando que o evangelho só floresceria em moldes ocidentais.
Como resultado, surgiram resistências, rejeições e sincretismo. O problema não está na mensagem de Cristo, mas em como a revestimos culturalmente. Embora comuniquemos o evangelho por meio de mediações culturais, como língua, símbolos e costumes, ele mesmo transcende qualquer cultura específica.
Nenhuma sociedade pode se considerar o padrão absoluto da fé cristã.
O evangelho é transcultural por natureza e não uma invasão cultural
Hoje entendemos, com estudiosos como Lamin Sanneh, que o cristianismo é uma fé intrinsecamente traduzível. Desde os tempos bíblicos, o evangelho se “transplantou” de uma cultura para outra: do judaísmo ao mundo grego, depois ao romano, africano, asiático e além. Cada nova tradução revelou um aspecto inédito da beleza de Cristo.
Por isso, quando o missionário respeita a cultura local, ele não enfraquece o evangelho, ele o enriquece, permitindo que a graça brilhe em novas cores.
Traços da verdade de Deus em cada cultura
Mesmo marcada pelo pecado, toda cultura contém vestígios da verdade divina. Podemos cultivar e redirecionar esses traços ao evangelho. Por exemplo:
- Em muitas culturas africanas, as pessoas demonstram respeito pelos ancestrais para honrar sua linhagem espiritual. Esse valor pode redirecionar-se para reconhecer Cristo como o primeiro dos nossos irmãos.
- A veneração a Maria em contextos católicos pode ser ressignificada como admiração por uma mulher que disse “sim” à vontade de Deus, modelo de fé e submissão.
- Em muitas comunidades, as pessoas usam incenso, dançam e entoam cânticos tradicionais para expressar sua fé e reverência. Podemos manter e redirecionar essas práticas, colocando o Criador, e não a criatura, no centro da adoração.
Essa é a essência da inculturação: permitir que o evangelho se expresse com o rosto e o ritmo da cultura local, sem perder sua essência divina. Redirecionar símbolos não significa romantizar culturas nem aceitar tudo o que elas trazem. Toda cultura, inclusive a cristã ocidental, precisa ser confrontada, purificada e curada.
O papel do missionário é discernir: O que nessa cultura reflete a imagem de Deus? Devemos curar o que está ferido e abandonar tudo o que escraviza o ser humano.
O evangelho como tradução de amor
O verdadeiro propósito da missão não é substituir uma cultura por outra, mas ajudar cada povo a reconhecer Cristo, já presente em seus significados mais profundos, e abandonar os falsos deuses que distorcem essa imagem.
O evangelho não é uma invasão cultural, mas uma tradução de amor que permite que cada povo adore o mesmo Deus em sua própria língua, ritmo e beleza. No fim, diante do trono, haverá: “Gente de toda tribo, língua, povo e nação.” (Apocalipse 7:9) Cada povo com sua voz. Cada cultura redimida pela mesma graça. Porque o evangelho não apaga identidades, ele as transforma em adoração.




